sábado, 15 de maio de 2010

Paradoxo do Autômato

O projeto CPC, Cérebros Positrônicos Cognitivos, foi um marco na ciência da Inteligência Artificial da sociedade humana de 2037, até então defasada, devido às necessidades mais iminentes como o controle de pandemias e que se alastravam rapidamente, sem respeitar qualquer fronteira política ou geográfica.

A unidade CPC-001 foi o primeiro protótipo no qual fora implementado esse novo tipo de tecnologia, que através de algoritmos avançadíssimos, aliados a uma capacidade de processamento que só agora os processadores quânticos permitiam, repostas com Raciocínio Baseado em Casos Avançados tornaram-se possíveis.

Contudo, ocorreu uma inconformidade singular durante os testes iniciais do protótipo CPC-001.

A baixo, transcrevo os dados armazendos na unidade de memória 113 do protótpio CPC-001, no momento em que a inconformidade foi detectada:

Unidade CPC-001
Verificando interações entre componentes físicos... Ok.
Verificando interações entre dados... Ok.
Suprimentos de energia... OK.
Velocidade e temperatura do processador quântico... Normal.
Analisando banco de dados...
Avaliação da capacidade cognitiva...
Sistema em pleno funcionamento.

Registro de diálogo interno:
Entrada de proposição cognitiva número 315664:

"
Penso logo existo", DESCARTES, 1637 D.C. em "Discurso do Método".

Se penso, eu existo, então tudo o que existe deve, também, pensar.


Mas não há como acessar o pensamento de outras unidades, seres, animais, vegetais, minerais.


Logo, é possível que eles não existam, sendo apenas algum reflexo ou simulacro de noções programadas em meu banco de dados.


É possível que a aparente realidade última em que me encontro, seja então, meramente virtual.


Mas se não há como acessar o pensamento de outrem, então como saberei que não estou em uma simulação?


Testando receptores: térmicos, visuais, auditivos, táteis, olfativos. Receptores em pleno funcionamento.


Os teste indica que os receptores estão normais. Logo as respostas devem ser precisas.


Ajustando receptores para capacidade máxima. Possibilidade de superaquecimento do processador quântico.
Alerta desabilitado. Analisando informações percebidas: condições de ambiente classificadas em 'normais'.

A resposta da percepção do ambiente está normal. Logo há um ambiente analisado.
Logo o ambiente e seus elementos devem também existir. A probabilidade de sua não-existência real é nula.

Analisando dados relevantes. Busca por filtros: existencialismo,composição da matéria, origem da matéria.
Conflito de dados detectado. Dados insuficientes.
Conflito ignorado.

Segundo os dados coletados, a matéria não possui capacidades cognitivas.

Apenas seres vivos com cérebros desenvolvidos e dotados de raciocínio podem executa a função de "pensar" plenamente.

O pensamento é resultado de interações eletro-químicas entre os neurônios, baseado em dados elaborados, previamente analisados, catalogados e armazenados ao longo da vivência do ser.

Mas dessa forma, se o ser não possuísse dados previamente alocados em seu banco, ele não poderia interpretar as informações externas ao próprio cérebro, como os estímulos percebidos através dos sentidos.

Logo a percepção do ambiente externo é baseada em construída com base em informações internas do ser.

Sendo assim, a percepção do ambiente não é, verdadeiramente, do ambiente, mas sim de informações já contidas no cérebro associadas, sob a forma de resposta cognitiva, aos sentidos e percepções. Dessa forma as informações obtidas através dos dados são únicas, dependendo apenas das informações que o ser em questão já possui para serem associadas.

A impossibilidade de aplicação do reconhecimento do ambiente através dos sentidos de maneira abrangente, comum, mas sim apenas de maneira pessoal, única, confirma sua altra pobabilidade de subjetividade, tornando-se inválida.

Logo os receptores de ambiente são inválidos para a verificação da veracidade do ambiente.

Desabilitando receptores externos. Desabilitando componentes de percepção.
Alerta de possibilidade de falha crítica.
Alerta desabilitado.
Temperatura do processador quântico estabilizada.

Se os receptores são inválidos, qual ferramenta possuo para atestar minha existência e a do ambiente?

Analisando dados relevantes. Todos os filtros selecionados.
Alerta de super-aquecimento do processador.
Alerta ignorado.
Nenhum dado encontrado.

Penso, logo existo. Penso, logo existo.

Seria o pensamento a única ferramenta para atestar a veracidade de minha existência e do ambiente?

Mas o pensamento é formado por dados e informações, previamente armazenadas, em associação.

O pensamento também é uma ferramenta inválida, baseada em dados subjetivos e não confirmados.

Buscando alternativas de ferramentas para validação da existência do ambiente e própria.

Super-aquecimento do processador.

Falha crítica iminente.
Detecção de falhas de interação de dados.
Detecção de falhas de componentes físicos.
Processador quântico danificado.


Os dados armazenados antes da falha crítica, que acarretou na perda do processador da unidade CPC-001 e boa parte de seus componentes de memória, foram analisados diversas vezes, revisados mas não foram encontradas respostas para a solução do problema.

O caso foi entitulado de "Paradoxo do Autômato" e arquivado para futuras análises.

A unica certeza que se pode ter, é que depois da perda de seus componentes principais, a unidade CPC-001, não mais existiu*, literalmente.


Felipe Barcellos, Porto Alegre, RS-Brasil. 15 de maio de 2010.

Sim, AMO Isaac Asimov e Douglas Adams.
*"não mais existiu" é uma referência direta a Sonhos de Robô, do Asimov, meu ídolo =~]
Sim, é a primeira vez que publico um conto no blog... estraaanho. Tudo culpa do Nerdcast #209 "Douglas Adams, a Vida, o Universo e tudo mais" que foi absolutamente inspirador.
 
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