sexta-feira, 12 de março de 2010

Biocentrismo, o grande fator projetual.

Boa tarde, hoje vou postar um texto que escrevi motivado por uma aula da faculdade, conforme comentei, sou graduando em Design Gráfico.

Esses dias, durante uma explicação, o design ou projeto foi classificado como uma tarefa antropocêntrica, afirmação com a qual convivia há anos, visto que dentre os fatores projetuais, o fator "antropológico" sempre era listado. Mas aí então me ocorreu um insight.

Simplesmente aquela afirmação não fazia mais sentido. Desde pequenos somos educados para sermos operários, aprendendo de modo cartesiano as facetas sociais (economia, biologia, química, matemática, física, sociologia, etc) que invariavelmente interagem constantemente. E nesse momento me ocorreu que deveria ter algo errado com o fato do fator "antropológico" estar separado do fator "ecológico".

Compramos e produzimos sem o menor pudor, sem pensar nos anos que virão, no impacto que causamos, seja para com outros humanos ou qualquer outro ser que habite este planeta, o que influi diretamente na nossa própria sobrevivência também, visto que a vida na terra não é independente e uma condição sustentável implica na preservação da integridade dos seres e recursos naturais disponíveis.

Quando o teocentrismo foi substituído pelo antropocentrismo durante o Renascimento, a valorização do homem e de seu trabalho tornaram-se premissas básicas para o desenvolvimento do pensamento e correntes filosóficas vigentes, "Deus" deixa de ser o centro das atenções humanas, e assim o homem conquista maior liberdade sobre suas ações e sobre si mesmo, sendo considerado que o universo deve ser avaliado de acordo com sua relação para com o homem.

Esta afirmação é de uma hipocrisia e prepotência sem tamanho. Talvez fizesse sentido numa sociedade em que não se tinha noção da fragilidade da vida no planeta, do impacto da indústria no ambiente, ou quando o homem, deslumbrado sobre si mesmo, tinha certeza de que o seu desenvolvimento justificaria qualquer sacrifício, seja de recursos naturais ou da vida em geral, e não raro o sacrifício de outros homens. Quando, na verdade, o nosso desenvolvimento enquanto espécie e sociedade necessita de condições mínimas de vida e recursos renováveis.

Contudo estamos no século XXI, temos consciência de muitas variáveis relacionadas a vida, que até então desconhecíamos, a cosmologia e a física evoluíram de uma maneira nunca antes imaginadas, temos noção que não somos o centro do universo, e que muito provavelmente não sejamos os únicos seres inteligentes nele, lembrando que o nosso planeta é um dos oito que circundam o nosso Sol, que é UMA das setenta septilhões (70 seguido de 24 zeros, e isso é menos do que todos os grãos de areia que se estima ter na Terra) de estrelas que se supõe existir.

Esses dados que revelam a nossa insignificância, ou melhor nossa igualdade com toda e qualquer coisa que exista nesse mar de dúvidas que é o Cosmo, nos elucida sobre o fato de não sermos mais importantes que uma folha de grama no contexto "universo".

Entretanto, em um dado momento da escala evolutiva, nós adquirimos um certo nível de auto-consciência que permitiu que desenvolvêssemos nossa racionalidade sobrepujando os instintos, todavia isso não nos dá a liberdade de agirmos de maneira a tirar vantagem sobre outros, seja ele humano, animal, vegetal, etc. Principalmente se sabemos o significado do termo "cooperação" visando objetivos comuns, sendo estes, em ordem de importância: sobreviver, reproduzir e desenvolver, preferencialmente de maneira harmônica, possibilitando o desenvolvimento contínuo, o que pode ser tomado como um estado de "felicidade" e "plenitude" da espécie.

Ao contrário do que o antropocentrismo supõe, nós, tomando ciência do nosso lugar na Terra, neste século, não temos direito de agirmos desrespeitosamente com os co-habitantes do planeta, pelo contrário, justamente por termos consciência, temos o DEVER de medir nossas ações, sem desculpas ou pretextos, pois a natureza é a detentora dos direitos e nós somos parte integrante do que a compõe, e não superiores a ela, mesmo porque somos dependentes do seu equilíbrio e fruto das séries de evoluções oriundas em sua biodiversidade, a qual limitamos, interrompemos e erradicamos com nossas atitudes abusivas, o que nos prejudica diretamente, não só pela interdependência das espécies bem como pela eliminação de novas descobertas através da observação e estudo do mundo natural.

Sendo assim, principalmente nós, como designers, projetistas, desenhadores, seja de utilitários glíficos, gráfico, digital, etc., temos que tomar como diretriz básica o biocentrismo e não o antropocentrismo, uma vez que o primeiro engloba o segundo e todos os outros de quem dependemos em vários níveis, e trabalhando com essa premissa estaremos projetando com racionalidade, lógica, pois de nada adianta criarmos algo luxuoso que em 5 anos ou menos tornar-se-a obsoleto, demorando centenas de anos para ser absorvido pelo planeta, caso seja possível absorvê-lo, criando obstáculos muito complexos ao nosso desenvolvimento e sobrevivência.

A exemplo dos projetistas gráficos, que podem trabalhar em conjunto com desenvolvedores de tecnologias de pigmentos menos agressivos, substratos viáveis, que não tornem necessária a derrubada de centenas de quilômetros de metros quadrados de árvores, e para os do campo virtual, estudar maneiras de fornecer a informação ou serviço que o usuário precisa de forma mais ágil e eficaz, soluções simples como utilizar uma gradação suave de cinza no lugar do branco podem economizar quantidades consideráveis de energia elétrica, a qual, dependendo do lugar é obtida com represamento de águas naturais, queima de combustível, fusão nuclear, etc, meios não-renováveis e agressivos sob um ponto de vista não-antropocêntrico, ou seja, que são finitos e não-sustentáveis.

Creio que assim que tomarmos ciência dos deveres que cabem a nós, humanos, mas principalmente dos os estudantes e profissionais do desenho de projeto/design que alimentam e educam a nossa sociedade de consumo e têm por obrigação projetar com responsabilidade, tendo em mente as interações que o produto final vai ter, seja para com o ambiente, usuário direto ou sociedade, seremos pessoas agindo com mais ética, respeito e responsabilidade. Conseqüentemente, não por mérito ou vaidade, mas sim pela valorização da nossa importância na comunidade, a profissão de projetista tornar-se-a mais respeitada, pelos próprios profissionais e estudantes, inclusive, e assim esse reconhecimento vai nos ajudar a cumprir cada vez mais essas funções essências ao desenvolvimento da nossa sociedade de forma sustentável, para então, de forma sã, experimentarmos a felicidade do nosso pleno desenvolvimento.

E como todos sabem, devemos fazer a nossa parte, buscar na nossa área, no nosso trabalho, na nossa rotina, repensar nossas atitudes, implementando ações mais coerentes, racionais e lógicas tendo em vista a construção de uma sociedade sustentável, tendo sempre em mente as interações e interdependências do nosso sistema social e biológico. Por menores que sejam, cada ação, é uma ação. Soluções simples podem ser muito efetivas, visto que o design volta-se para a sociedade, que por sua vez, é composta por muitas, mas muitas pessoas.


Finalizando:


O Elefante e o Beija-Flor

Certa vez, numa floresta em chamas, encontravam-se milhares de animais desesperados, com medo do fogo. Dentre eles voava um beija-flor, levando em seu diminuto bico um pouco de água. Ele estava tentando acabar com o fogo da floresta. Ao ver tal cena, os outros animais se surpreenderam, acharam completamente inútil a atitude do beija-flor. Foi quando o elefante disse:
- Beija-flor! Não vês que de nada adianta o seu esforço?! Fuja!
E o pássaro respondeu:
A minha parte estou fazendo , e se cada um fizesse a sua, muito rapidamente acabaríamos com o fogo.
O problema existe, então devemos enfrentá-lo do modo que podemos. Nesse mundo de hoje temos muitos elefantes, gente influente, que pode mudar e melhorar o mundo e as condições de vida. Talvez o medo e/ou a ganância façam com que estes gigantes adormecidos simplesmente fujam. Se acordarmos esses gigantes, se nos transformarmos em beija-flores, com certeza deixaremos uma sociedade mais humana e um mundo mais harmonioso às futuras gerações que aqui viverão.

"O tamanho e a idade do Cosmos estão além da nossa restrita capacidade humana de compreensão. Perdido em algum lugar, entre a imensidão e a eternidade, está o nosso pequena planeta natal. Do posto de vista cósmico, a maioria das preocupações humanas parecem insignificantes, até mesmo ridículas. E ainda assim, nossa jovem espécie, curiosa e corajosa, demonstra grande potencial. No último milênio nós fizemos a mais atônitas e inesperadas descobertas sobre o Cosmos e nosso espaço nele, hipóteses extremamente consideráveis. Elas nos lembram que os humanos estão envolvidos com a imaginação, que a compreensão é felicidade, que o conhecimento é um pré-requisito para a sobrevivência. Eu acredito que nosso futuro está depende fortemente do quão bem entendemos o Cosmos no qual flutuamos como partículas ínfimas de poeira no céu da manhã." Carl Seagan, em Cosmos (1980).

"Temos que ser a transformação que queremos no mundo."
Mahatma Gandhi.


Muito obrigado pela atenção, peço que reflita e compartilhe esse texto.

Att,
Felipe P. Barcellos.
Estudante de Projeto Gráfico/Design
 
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