quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Os Na'vi e a terra como propriedade universal.

Enquanto compilo as mais de 200 respostas que vieram por e-mail a respeito do tópico anterior, pacientemente, deixo a vocês algumas observações pessoais a respeito do filme Avatar, de James Cameron, que tive a oportunidade de ver dublado e legendado, ambos em 3D.

Dica: vejam o dublado, as adaptações de diálogo estão melhores e fora que não tem aquelas letras berrantes sobre a belíssima paisagem do planeta Pandora =D


Creio que a maioria já tenha visto Avatar a essas alturas do campeonato, right?

E aí, o que acharam?

Confesso que a história em si, a essência, me parecia realmente clichê, mas sabe que constatei que não, felizmente.

O filme levanta questões que não são nada clichês, ou que, ao menos, há um bom tempo não eram levantadas com tamanha evidência em uma produção cinematográfica tão grandiosa, para citar duas:

1- Dentro da questão da guerra, não temos uma luta pela conquista de um território, pela posse, não por parte dos Na'vi. Eles tão cagando pra quem é o dono da terra, tanto é que tentaram, inicialmente, estabelecer uma comunicação com o homem, o receberam bem, dispostos a ensinar sobre o seu mundo a ele, mas ele já era um "copo cheio"... O guerra dos na'vi, a sua motivação pela sua luta, é a preservação do planeta, não pela sua posse, mas sim em defesa dos que não podem se defender, como o solo, as árvores, as plantas, os animais, enfim, todo um Sistema Vivo... Tanto que os na'vi só ganham porque Eywa (ou o instinto de preservação dos animais ao perceberem que seu habitat estava sendo destruído, o que seria Eywa, visto que a mesma não é uma "consciência divina" mas sim um fluxo/ligação que permeia os seres vivos de um planeta) convocou os animais, que podiam lutar, digamos assim, ao fim em reforço aos na'vi que estavam sendo esmagados, como no estouro de Angtsìk, os rinocerontes gigantes com cabeça de martelo..e demais animais de grande porte.

2- Outra questão importante, é a questão da identidade. Jake Sully diz que em um dado momento não sabia se o sonho era a realidade e vice versa, entendo-se que por "sonho" seria a condição dele como na'vi. Então ele adota a posição de ser um na'vi, de tomar essa identidade para si.
Mas quem é Jake Sully? O astronauta paraplégico ou o na'vi toruk makto? O que faz dele jake sully, o que o caracteriza? A forma como e onde ele nasceu ou o que ele decidiu ser? O que nos define como pessoas? O que nos temos, pensamos, raízes, cor? Ou somos aquilo que, de fato, fazemos, demonstrando com ações, a cada segundo de nossas vidas, as nossas idéias, crenças e conceitos?

Claro, ele levanta questões clichês, como o homem como vilão/alienígena ou entidade maligna contra seres benéficos e certos em sua resistência, a relação do herói e da mocinha de mundos diferentes.. mas são questões que funcionam como plano de fundo, para apresentar os personagens ao público, esse não é, propriamente, o foco da história...


Retomando a questão 1

Tendo constatado que a luta do povo na'vi é pela preservação do sistema em seu planeta e não pelo direito/posse do território em si, fica a questão: e se alienígenas invadissem a Terra, dispostos a exterminar com a vida, humana ou não (não que nós, humanos, daríamos valor às vidas não-humanas at all...), pela exploração dos nossos recursos naturais
recursos naturais do planeta, como a água?

Existe alguma propriedade, algo que nos faça donos de nosso pedaços de terra em relação ao universo como um todo?

De que valem nossas papeladas constatando o direito sobre pedaços de solo?

Eles valeriam se decidíssemos explorar a Lua e demais planetas do sistema? E para quem eles valeriam? Só para nos ou para outros seres também?

Como pode o homem dizer-se dono de algo que não foi ele quem criou, como o solo, que é um pedaço de um planeta, dos animais, das plantas? Como pode ele acreditar que existe mesmo algum tipo de "patente" sobre esse "bens"?

Patentes, direitos de propriedade, etc, só valem porque o nosso sistema econômico-social vigente faz deles uma crença, que na verdade nada mais são do que registros sobre o irregistrável.

O homem não é dono do planeta. Aliás, ele é tão dono quanto uma formiga, quanto uma pedra ou quanto uma urtiga.

Não é porque o homem é capaz de entender conceitos complexos como "propriedade", "patente", "registro", etc, que ele pode ser considerado dono de algo que não lhe pertence.

Tem uma passagem do site MercadoEtico que ilustra bem a idéia:

“É necessário substituir o extenso individualismo em matéria de propriedade, que toma como ponto de partida e princípio estruturador o lucro dos indivíduos potencialmente ilimitado, considerando ser ele um direito natural e não sujeito a alguma orientação conteudística, por um ordenamento normativo e uma estratégia de ação baseados no princípio segundo o qual os bens da terra, ou seja, a natureza e o ambiente, os produtos do solo, a água e as matérias primas não pertençam àqueles que por primeiro deles se apossam e os desfrutam, mas são destinados a todos os homens, para a satisfação de suas necessidades vitais e para a obtenção do bem-estar.

Este é um princípio radicalmente diverso; seu ponto de partida e de referência é a solidariedade dos homens em sua vida em comum e em competição. É daqui que é preciso deduzir as normas fundamentais, com base nas quais informar os processos de ação, tanto econômicos como também não econômicos.”

Cf. E.-W. Böckenförde, “Ethische und politische Grundsatsfragen zur Zeit” [Questões éticas e políticas fundamentais para a época], in Id., “Kirche und christlicher Gaube in den Herausforderungen der Zeit” [Igreja e fé cristã nos desafios da época], Münster, 2007, pp. 362-366.

3 comentários:

  1. Lipini amor.

    Adoro.

    Abaixo segue o meu extenso parecer sobre Avatar. Devo ressaltar que ele contém ESTRAGADORES (spoilers, lol) Boa leitura:

    Eu podia ficar até amanhã dizendo o quão extraordinariamente foda e sem precedentes é a complexidade gráfica desse filme. Toda a pesquisa feita em cima de tudo e a produção do mesmo. Poderia falar também de quão deslumbrante e fascinante é o planeta bioluminescente de pandora. Entendo que esse talvez seja a principal razão de Avatar ser o que é, mas isso não faz justiça a todos os sentimentos e emoções e significados que aquele filme me transmitiu.

    Eu gosto extremamente da cena final onde Neytiri salva o Jake Sully. Para mim alí está uma das lições de vida que eu aprendi e que levo dentro do meu mais intimo recanto do coração, como uma jóia preciosíssima, inestimável. O amor não tem fronteiras. Ele é universal idenpendetemente de quem és. As pessoas te amam pelo que tu és dentro de si mesmo. Quando comecei o meu relacionamento (que, putamerda, dura 7 anos já), eu não me apaixonei pela pessoa que a Carla parecia ser. Na verdade, me apaixonei pelo que ela era. Da mesma forma que os Na'vi "vêem" seus semelhantes, naquele instante eu "vi" ela. Da mesma forma que Neytiri acolheu Jake, aquela frágil criatura, no seu colo, acariciando-a, ignorando sua aparência e amando-a incondicionalmente.

    Mas logicamente não é só isso. Outra mensagem importante e que reverbera na minha mente, passada no filme, é que, aproveitando o significado da palavra "avatar", nós podemos nos tornar seres melhores do que somos. E deveriamos almejar isso. Avatar, pelo que sei, é uma personificação mortal dos Deuses. Essas divindades personificadas eram dotadas de extrema beleza, além de possuirem dons maravilhosos. Então não seria apropriado criarmos o nosso "avatar" com sua beleza extrema e poderes maravilhosos e almejar ser isso que imaginamos? Não seria muito bom se desejassemos nós mesmo ser tão divinos, sábios, plenos, tranquilos, quanto esses deuses?

    Mais uma mensagem que ficou para mim é como devemos ser ferozes e integros ao defender o que é bom e o que é nosso. No momento que Jake percebe a complexidade e beleza do planeta em que estava, mas mais importante, a paixão por Neytiri e seu povo, ele renega sua origem humana e opta por se tornar um Na'vi, mesmo sendo um humano ele mesmo. "Mas foda-se isso, o importante é lutar pelo que é bom, e nos faz sentir bem, sem que ninguém saia machucado ou magoado nisso tudo." Essa é outra mensagem que eu tenho guardada no coração e que me faz acordar todo dia acreditando que vale a pena viver. O meu trabalho de conclusão de curso foi um pouco isso. Eu acreditei ferozmente na minha idéia, nunca deixei de ouvir opiniões, nem passei por cima de ninguém, mas me agarrei com toda a força naquilo pois é algo que amo e não podia deixar que a opinião das pessoas destruissem a minha convicção ou me privassem de ter pensamentos próprios, ou vontade própria.

    Avatar não fala só disso. Talvez nem fale disso. Mas o filme em si desperta esses pensamentos na gente, cada qual da sua maneira. A história é cliché e básica? É! Entretanto, essas mensagens que ecoaram na minha cabeça antes e durante a projeção são pensamentos estruturais e básicos do meu ser. Pelo que entendi, uma história não muito complexa sobre jornada do herói, deixa cômodo para o espectador refletir sobre as outras camadas de siginificados que uma história possui. É só pensar em Star Wars. Tirando os Jedi, a aliança rebelde e o Império Galático, temos mensagens e iconoclastias fortíssimas nos filmes (vocês não acham também que o fato do mais modafóca vilão da história do cinema ser o PAI DO MOCINHO a coisa mais fodida que podia acontecer com uma pessoa?). Ao escrever minha pequeníssima história de jornada do herói no TCC vi a complexidade dela depois de pronta. É batido? Sim. É bom? É também. Então, porque não?


    Um beijo.

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  2. Eu vi Avatar ontem, no 3D que foi uma experiência bem interessante.
    Logo depois que vi me deu vontade de escrever sobre o que havia sentido ao ver o filme, até porque fui achando que ia ser um filme com um péssimo roteiro e com efeitos especiais, conforme a crítica e pessoas comuns haviam falado.
    Como o Lipe e o Zaffari falaram, há muitas mensagens no filme e cada um absorve aquilo que acha mais importante. Dois fatos me chamaram muita atenção, e creio que foram os mesmos que o Lipe. Após a palhaçada do encontro de Copenhage que não deu em nada, o filme vem mais uma vez ressaltar que a natureza nos empresta o que ela produz, e o nosso papel é devolver aquilo que usamos, mas o homem só pensa em lucro, em destruir, sem pensar nas gerações futuras, ou pensando que no futuro vai ter uma tecnologia capaz de repor aquilo que tirou.
    E o fato do "mocinho" não saber mais quem ele é, se é o homem paraplégico, que lutou por seu país e só recebe chantagens para que ele possa voltar a caminhar (pois não tem condições para pagar o tratamento) ou se é o Na'vi forte, que anda, guerreiro, de coração bom e apaixonado.

    Eu tenho que voltar ao trabalho e meu pensamento tá sendo cortado a todo instante.
    Acho que consegui dizer um pouco do que o filme me passou!

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  3. Lipe,
    achei muito interessante a visão q vc tomou do filme... algo para se filosofar...

    a propriedade, muitas vezes, está além de papéis e de seus "paetês"....
    As normas de propriedade vigentes no planeta são válidas apenas para os habitantes do planeta... mas regras, leis, como se sabe, são quebráveis....
    e que seja um exemplo de um ser estrangeiro ao nosso planeta invadi-lo e fazer de nós de seus escravos e tomarem nossas terras? é cabível isso? é justo?

    Tem coisas que esbarram nao no campo da propriedade em si, mas esbarram total e completamente na Ética e na Moral....

    aí , isso, varia de individuo para individuo, de ser extraterresstre possivel para ser extraterrestre possivel....

    e vc, acredita na justiça ou no caos?

    Abrs!
    Caio

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